Campo Belo/Vila Mariana

Vila Mariana faz jus ao nome e concentra mais de cem vilas

Parece uma viagem no tempo, mas é só uma visita a uma rua sem saída na Vila Mariana. O barulho dos bares e dos carros desaparece. O asfalto dá lugar ao calçamento de paralelepípedo, todos os vizinhos se cumprimentam. A única marca do presente é o portão que separa a vila da rua.

Por lá, essa cena é comum. A Vila Mariana é um dos bairros com maior concentração de vilas fechadas em São Paulo. Segundo a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, das 694 vias identificadas como fechadas na cidade, 115 se encontravam naquela subprefeitura –85 delas permanecem com bloqueios atualmente.

Bruno Santos/Folhapress
São Paulo, SP, BRASIL- 15-03-2016: Capa do caderno Morar sobre vilas e ruas fechadas no bairro da Vila Mariana, na Zona Oeste de São Paulo. Na foto, Vila Pelotas, na Rua Pelotas. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** MORAR *** EXCLUSIVO FOLHA***
Vila Pelotas, na rua Pelotas, Vila Mariana; distrito tem mais de cem ruas fechadas

Segundo a imobiliária especializada Casas de Vila, o valor máximo do metro quadrado de um imóvel do tipo na Vila Mariana e na Vila Clementino é de R$ 8.000 –bem mais barato, por exemplo, que o de um apartamento novo nessa mesma região, cujo metro quadrado custa em média R$ 13.090.

O custo é ainda menor considerando as despesas fixas dos condomínios verticais, como elevador, porteiros e equipes de limpeza.

Para Alexandre Tamberi, 47, a tranquilidade é a principal vantagem de um imóvel dentro da quadra: "A vida na vila é mais pacata".

Tamberi mora desde que nasceu na mesma casa, em uma travessa da rua Pelotas com seis imóveis.

"A gente brincava lá fora, não passava muito carro, não havia estabelecimentos comerciais por aqui", relembra ele, que mora com a mãe.

"Antigamente chegavam a morar 32 pessoas aqui, eram muitos filhos por casal. Hoje, ao todo, somos 15 [moradores]", diz, o que deixa o ambiente ainda mais silencioso do lado de dentro do portão, instalado nos anos 1990.

CLASSE MÉDIA

A história da ocupação da cidade explica o fenômeno da concentração das vilas na região, segundo a urbanista Rosana Helena Miranda, que é professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP).

"A Vila Mariana é um dos primeiros bairros de classe média de São Paulo", diz a pesquisadora, que também mora no bairro, há 35 anos.

As vilas existentes hoje no local foram construídas a partir dos anos 1930, paralelamente ao processo de industrialização da região.

Esse modelo de ocupação "era um meio de o dono do loteamento aumentar a sua rentabilidade", diz Miranda.

Ela aponta também a disponibilidade de terrenos secos, sem risco de enchentes –um luxo na São Paulo do início do século 20.

A região, por ser próxima do centro da cidade, já era propícia à alta densidade populacional em um período anterior à verticalização.

Segundo a professora, quase não havia mais vilas sendo construídas após os anos 1960, e nenhuma surgiu no bairro depois de 1979, quando a Lei Federal de Parcelamento do Solo instituiu regras básicas para uso dos loteamentos.

Os portões e cancelas que bloqueiam as ruas, no entanto, surgiram depois, entre os anos 1980 e 1990, por iniciativa dos próprios moradores.

BATALHA LEGAL

Os bloqueios se tornaram alvo de polêmica desde março de 2015, quando a prefeitura começou a intimar os moradores para que retirassem os portões. O poder público se ampara na decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que considerou o fechamento ilegal.

Um dos maiores opositores dessa disposição é o vereador José Police Neto (PSD), que apresentou um projeto substitutivo para a manutenção dos portões. "Se uma rua sem saída é residencial e está fechada, o direito de ir e vir não se aplica", diz. "Isso só se aplicaria se a via fosse de um lugar a outro."

Segundo o argumento do vereador, se as vilas estivessem permanentemente fechadas o poder público poderia deslocar agentes de segurança para áreas da cidade mais necessitadas.

Hoje, por conta de decisão judicial, não é mais permitido fechar ruas sem saída. Segundo a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras só são permitidos portões ou cancelas em vilas que estavam regularizadas com essa configuração antes de 15 de agosto de 2014.

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