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Interior

Porta, portão, porteira: conheça a rota do 'caipirês' falado no Estado de São Paulo

A língua se curva para trás, com a ponta quase tocando o céu da boca, e, pronto: está dito o erre puxado tão característico do sotaque do interior de São Paulo.

Na boca de um fluente no dialeto caipira, o contorcionismo é constante. Que o diga Paulo Alves Bueno, 71, de Mogi-Guaçu (a 160 km de São Paulo), cuja fala é marcada pelo erre rasgado no meio e no fim das palavras.

O aposentado, no entanto, se faz de desentendido: "O sotaque de São Paulo é igual ao nosso. Quem é iguaçuano mesmo tem um sotaque leve".

Suave ou forte, o analista de sistemas William Patrick Geraldo, 32, de Sorocaba (a 100 km da capital), faz graça da sua própria pronúncia. "A gente tem muito problema com porta, portão, porteira", diz, com um discreta melodia que lembra a dos gaúchos. Sem embaraço, ele solta um combo: "Porque a porta está sempre aberta".

Há casos em que os acentos se agregam, como narra a comerciante Gisele Pinto Ferraz, 56, nascida em Jundiaí (a 60 km de São Paulo). Segundo ela, sua filha, Jéssica, fez faculdade de odontologia na Unicamp, em Piracicaba, onde morava com duas mineiras. "Ficou uma coisa. E eu falava para ela: 'pelo amor de Deus, pense três vezes antes de abrir a boca'."

A "coisa", diz Gisele, tinha um pouco do erre jundiaiense, um tico do sotaque piracicabano -"cantadíssimo"- e, claro, "uai" e "trem".

Joel Silva/Folhapress
Paulo Alves Bueno, 71, morador de Mogi-Guaçu, no terminal rodoviário Tietê, em São Paulo
Paulo Alves Bueno, 71, morador de Mogi-Guaçu, no terminal rodoviário Tietê, em São Paulo

ENTENDEU, BEM?

Além do sotaque, o "caipirês" também possui um vocabulário próprio. A professora Maria Santos Hocsis, 53, conta que é comum ouvir as elogiosas frases "você é linda como bosta" e "legal por bosta" em São João da Boa Vista (a 215 km da capital), onde mora há 22 anos. "Se uma coisa é linda, por que falar essa palavra?"

E, se na capital paulista "cara" é onipresente, em Campinas impera o "bem", para homens e mulheres.

O costume rendeu um causo à vendedora Luzia dos Santos, 65. "Tinha mania de chamar as pessoas de 'bem'. Aí, tinha uma moça vendendo uma bolsa hippie e eu falei 'bem, não quero, não'". "Ela achou que eu estava dando em cima dela", diz.

Joel Silva/Folhapress
Maria Santos Hocsis, 53, moradora de Campinas, na rodoviária do Tietê, em São Paulo
Maria Santos Hocsis, 53, moradora de São João da Boa Vista, na rodoviária Tietê, em São Paulo

ERRE DE RAIZ

O sotaque caipira surgiu na capital, de onde se irradiou para o interior e encontrou morada, diz Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, doutor em filologia e língua portuguesa pela USP e pesquisador do Projeto Caipira, que visa contar a história do português falado em São Paulo.

A gênese do sotaque, diz Almeida, é a relação entre índios e não índios, nos séculos 16 e 17.

"Esse dialeto [caipira] está em formação desde esses primeiros contatos ocorridos na extensa região do então planalto de Piratininga entre falantes da língua portuguesa e das diversas línguas indígenas."

Nos séculos seguintes, o modo de falar chegou ao interior, pela ação dos bandeirantes, via rio Tietê.

E o acento terá espaço nas próximas gerações? "Certamente se manterá, mas com variações, o que é natural."

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